JORGE LUIS BORGES "Costumam nascer através de uma espécie de revelação, sendo gradual essa revelação. É evidente que quando se escreve um conto - e isto é imprescindível - deve-se saber de antemão o princípio e o fim. Não posso conceber que se comece a escrever um conto sem se saber como se vai concluí-lo. O que sucede entre o início e o fim tem-se que imaginar. É uma espécie de sonho voluntário." (1978) "O conto deve ser escrito de modo que o leitor espere continuamente algo, que haja uma expectativa, de um modo que possa ser inesperada, ou, em todo o caso, que possa parecer estranho e nunca um capricho do autor, mas algo inevitável. Se puder ser inesperado e inevitável, melhor." (1982) (Dicionário de Borges, Carlos R. Stortini - Bertrand Editora) |
ANTON TCHEKHOV "É melhor não dizer o suficiente que dizer demais.” |
MIGUEL SANCHES NETO Escrever contos muito pouco tem a ver com contar casos que ouvimos na rua, soubemos por amigos, jornais ou pela tevê. Um conto é um corte na pele fina do hoje e ele sangra tanto que, para estancá-lo, resta-nos o manto de termos cotidianos. Não escreva contos para fazer graça. Só admita a piada quando for amarga. A tristeza do tempo que nunca para, mesmo o amor maior nos espeta o peito com sua pior farpa. Conto repele risadas. Isso é para a crônica que ajuda a digerir as comidas pesadas. Apenas escreva contos em estados de fúria, com um ódio santo contra toda a turba. Um conto necessário é um ato de cura, uma catarse em meio à insanidade de tudo. Escreva contos para emudecer esse mundo tomado pela usura. Não escreva contos como quem brinca com palavras móveis, incrustáveis nas frases. Conto já nasce pronto. Todo esforço vem antes, ao se sofrer o corte e sangrar até a morte. Não é com palavras que se faz um conto, mas com sentimentos imensos de desencontro, entre o eu e o mundo, mesmo quando o mundo é quem nós somos. Tente escrever um conto que te prepare um pouco para te ver como morto. Estar vivo é algo falso porque breve em demasia. Todo conto é um canto, um canto de despedida. Não escreva contos com palavras eruditas. Conto é linguagem viva, a mesma usada no bar, na hora do namoro, no balcão da padaria. Palavras do dia-a-dia, que súbito se concentram para dizer de uma vez algo que ninguém mais diria. Escreva os seus contos como quem se suicida, sem deixar bilhetes dando os tais motivos. Um conto não se explica. É morte imprevisível, a vida como enigma, a força de um mistério que não se silencia. Só escreva os seus contos quando não houver quando. (Escritor, autor do romance CHÁ DAS CINCO COM O VAMPIRO,
Editora Objetiva, entre outros livros) Twitter: @miguelsanchesnt |
CONTO AZUL, de Mario Quintana Agarrado à ponta da estrela, acabou me dando uma dormência, mas afinal consegui sacudir o pé e desprendeu-se um sapato. Foi cair na cabeça do vigário. Ainda bem que ele não se achava no exercício de suas funções. Estava praticando caridade. E a pobre vítima a quem socorria foi presa por agressão e roubo. E como nem o acusado acreditasse na procedência etérea do sapato e o próprio vigário, que voltara a si, era infenso a testemunhar tais implausibilidades - que bem poderiam ser obra do demônio - não houve outra saída, a bem da ordem natural do mundo, senão aquele homem de boa-fé confessar que aquilo pertencia à pessoa que ele assaltara na penúltima vez. E como ninguém encontrasse a tal, concluiu-se por homicídio. Agora, só faltava o cadáver. Meu Deus! esses humanos. . . Não podiam eles viver sem razões? Ri tanto que me despenquei da ponta da estrela. Com o que, ficou tudo resolvido. Eu era precisamente o cadáver que não tinha um sapato! E quando voltar a mim (são muito longos os desmaios dos anjos) todos os personagens e assistentes dessa história já terão desaparecido, e talvez a linda e pequena cidade onde ela aconteceu. Do livro CADERNO H, Mario Quintana, Editora Globo
(Conto com 1.139 toques) |